Por caminhos florestais, completamente envolvido num cerrado nevoeiro
em pleno dia de Agosto, não muito longe da Peninha, na Serra de Sintra (Azóia-Capuchos),
deslumbrei no topo de uma colina um conjunto de pedras imponentes, comummente designada de “Anta de Adrenunes”.
Se para alguns, o local não é mais do que um aglomerado de pedras,
dispostas ao acaso pela Mãe natureza, o certo é que o local está referenciado
pela Direcção-Geral do Património Cultural.
Seja apenas um penedo natural ou um reaproveitamento pelo homem, só pelo prazer da aventura e da beleza do local, vale a pena uma visita.
Numa época em que se despertava para o conhecimento do passado mais
remoto da Humanidade, não apenas por mera curiosidade intelectual, como,
sobretudo, por substanciar algumas pretensões de conexões mais nacionalistas,
os monumentos megalíticos constituíram uma das peças fundamentais em todo o
processo subjacente à edificação de novas teorias relacionadas com a
antiguidade de determinadas regiões e/ou localidades, ao mesmo tempo que
promoviam o derrube das mais variadas hipóteses fantasiadas em torno da sua
origem e funcionalidade.
E Portugal não poderia ser uma excepção neste enquadramento
científico, nomeadamente por dispor de um considerável número já identificado
de exemplares desta tipologia tão específica de monumentos arqueológicos,
alguns dos quais registados ainda em meados do século XVIII no âmbito do levantamento
dos vestígios antigos existentes no actual território português, incentivado
pelo célebre Alvará de 1721, da lavra de D. João V (1689-1750).
Não obstante, teríamos de esperar por individualidades tão marcantes,
quanto precursoras da actividade arqueológica entre nós, como as de Francisco
Martins de G. M. Sarmento (1833-1899), V. do M. Gabriel Pereira (1847-1911),
Estácio da Veiga (1828-1891) e Carlos Ribeiro (1813-1882), para que a sua
investigação assumisse contornos mais sistemáticos e verdadeiramente
científicos, ao permitirem um arrolamento mais coeso e uma comparação formal
mais sólida, uma abordagem absolutamente essencial ao estabelecimento da sua
atribuição cronológica, um dos objectivos centrais destes homens de excepção da
intelectualidade oitocentista.
Mas, nenhuma outra personalidade portuguesa terá promovido de modo
tão acentuado além fronteiras os estudos desenvolvidos nesta área em Portugal
como o fundador da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos
Portuguezes (predecessora das actuais Associação dos Arqueólogos Portugueses e
Ordem dos Arquitectos Portugueses), como a de Joaquim Possidónio Narciso da
Silva (1806-1896). E foi, precisamente, aquela que é conhecida por "Anta
de Adrenunes" que motivou uma das suas primeiras incursões no entendimento
do megalitismo nacional, manifestada bem cedo, ainda durante a década de
cinquenta, num dos múltiplos périplos que realizava com certa frequência pelos
arredores de Lisboa, em busca de vestígios de um passado bastante mais remoto
do que as estruturas medievais e, até mesmo, romanas.
Foi, então, que considerou ter identificado a existência deste dólmen
numa das elevações da Serra de Sintra, a mais de quatrocentos metros acima do
nível do mar, embora a escavação que promoveu não revelasse quaisquer
artefactos corroboradores da sua utilização funerária. Apesar disso, apresentou
o resultado desta sua indagação numa das sessões do Congresso Internacional de
Antropologia e Arqueologia Pré-histórica, realizado em 1871 na cidade de Bolonha,
onde atribuiu o monumento à Idade da Pedra, numa altura em que alguns autores
ainda persistiam em considerá-los bastante posteriores, provavelmente em razão
do espólio encontrado nalguns exemplares, denunciadores de reutilizações
francamente mais tardias.
Aparte a polémica que acabaria por envolver sempre a "Anta de
Adrenunes", sobretudo por suscitar, junto de vários investigadores, as
maiores dúvidas relativas à sua natureza antropizante, o facto é que seria
classificada, logo em 1910, como "Monumento Nacional", pelo Conselho
Superior dos Monumentos Nacionais.
Estamos, por conseguinte, em presença de um conjunto de pequenos
penedos, entre os quais se abre, a Poente, uma galeria estreita, com cerca de
cinco metros de altura, que poderá ter sido utilizada como necrópole colectiva
durante o longo período megalítico português, sem aparente modelação (ou
adaptação) humana a essa finalidade, uma das razões pelas quais não deverá ser
entendida como "Anta"/"Dolmen".
Texto retirado de:
www.patrimoniocultural.gov.pt
Fotografias de C@rlos Baptista
(Agosto de 2017)