por João Aníbal Henriques
O Castelo Medieval de Cascais, de que hoje já só restam algumas das
inúmeras pedras que contribuíram para o seu esplendor, reveste-se, desde tempo
imemoráveis, de uma cortina de fumo que, de uma maneira ou de outra, tem
despertado a atenção de historiadores, poetas e artistas plásticos.
Como hoje conhecemos, através da recente descoberta nos arquivos de
Simancas pela Drª. Margarida Ramalho, ilustre arqueóloga do nosso Concelho, o
Castelo Medieval de Cascais é o resultado de um intrincado processo de melhoramentos
e intervenções variadas que de maneira perene não nos permitem conhecer de fiel
as suas origens.
As teses relativas a essa origem aparecem assim distribuídas num
espectro cronológico que nos leva quase desde o período Calcolítico, onde como
é do conhecimento geral apareceram os primeiros recintos fortificados, até ao
período comummente designado como “Filipino”.
Segundo Manuel Acácio Pereira Lourenço, no seu livro “As Fortalezas
da Costa Marítima de Cascais”, o Castelo de Cascais já existia quando E-Rei Dom
Afonso Henriques fundou a nação: “Ao fundar-se a Nação, no território de
Cascais a população era, predominantemente moura, e há notícia da existência na
Vila de uma Torre dos mouros que ruiu com o terramoto de 1755”.
Da mesma opinião é Ferreira de Andrade, grande historiador Cascalense
que, em meados do Século XX, publicou aquele que é um dos baluartes da História
de Cascais. Assim, este recinto amuralhado, segundo as palavras do autor no seu
livro “Cascais – Vila da Corte”, é-nos situado cronologicamente algures perto
do período da Independência Nacional: “Já no capítulo I nos referimos à
existência em Cascais, possivelmente dos primórdios da nacionalidade ou, mesmo,
de época anterior, à conquista Cristã de uma fortaleza defensível do burgo. Castelo,
no sentido lato de baluarte murado (…)”.
Fruto do terramoto de 1755, foram levados a cabo no Concelho de
Cascais, uma série de inquéritos, com vista à determinação do estado em que
ficou o município após aquele acontecimento catastrófico. Assim, segundo o
então Reitor da Igreja Matriz de Cascais, Manuel Marçal da Silveira, no dia 6
de Abril de 1758: “Há castelo antiquíssimo que estava o signo do relógio da
Camera, porem esta cahio por ocasião do terramoto do primeiro de Novembro do
anno de mil settecentos e sincoente e sinco”. Deste mesmo interrogatório nos
fala também Ferreira de Andrade, referindo-se a um monge do Convento de Nossa
Senhora da Piedade (onde hoje se encontra o edifício do Centro Cultural de
Cascais) que pouco após o terramoto de 1755 se terá referido à Torre moura da
Vila. Não nos foi possível, no entanto, encontrar esse documento.
A existência de um castelo ou recinto amuralhado nesta Vila de
Cascais encontra-se, no entanto, provada para períodos mais recentes,
nomeadamente para o reinado de Dom Pedro I, autor do primeiro Foral outorgado à
Vila. Acerca deste fala-nos o grande Gama Barros no terceiro volume do seu
livro “História da Administração Pública em Portugal”: “D. Pedro, considerando
que pela situação do lugar o pedido importa à defensão do País, resolve em
carta de 7 de Junho de 1364 que Cascais fique isento da sujeição de Sintra”.
De facto, no referido Foral concedido por Dom Pedro I de Portugal à
Vila de Cascais, o monarca aplica o termo “Guarda da minha terra”, não sendo possível,
no entanto, provar a existência de um castelo somente a partir destas breves
palavras.
Sobre este problema se debruçou também D. Fernando de Castelo-Branco
na sua publicação de 1972 “Cascais nos inícios do seu municipalismo e na crise
de 1383-1385”: “Dom Pedro ao conceder a Cascais a categoria de Vila, fê-lo,
segundo diz, porque tal “he serviço de Deus e meu e guarda da minha terra
porque aquelle logar esta em aquella costa de mar (…)”. Todavia parece-nos que
a expressão “guarda da minha terra” não deverá ter o sentido de defesa do País,
porquanto não pode ser interpretada isoladamente, mas sim no seu contexto:
“guarda da minha terra porque aquelle logar está em aquella costa de mar”. Ora,
como é óbvio, Cascais não importava à defensão do País somente por estar no
litoral. Outra deve ser pois a interpretação dada a essa frase”.
No entanto, e por razões que se encontram fora do âmbito deste
trabalho, a autonomia de Cascais não entra em vigor durante este reinado. Tenha
sido por pressões de Sintra, cuja vida quotidiana e o equilíbrio financeiro
dependiam em grande parte do porto de Cascais para a exportação dos seus
produtos, ou por falta de jurisdição régia, o que se encontra provada é que foi
necessária uma nova série de pedidos dos homens-bons de Cascais para que, de
facto, fossem tomadas as necessárias medidas para a sua autonomia.
A primeira vez que o Castelo Medieval de Cascais nos aparece
expressamente em documentos da época, é já no reinado de Dom Fernando. Este,
após seis anos, confere na realidade a autonomia administrativa a Cascais,
entregando-a e ao seu castelo a Gomes Lourenço de Avelar, seu fiel servidor:
“Damos a elle dicto Gomez Lourenço e a todos os seus sucessores per jure
derdade o nosso castello e lugar de Cascaes…”
Segundo o Dr. José Dias Arnaut, a câmara passou a ser constituída
pelos juízes de cascais, por dois vereadores, um procurador do Concelho, um
alcaide e alguns vintineiros (representantes decerto das freguesias que então
se designavam por vintenas), um almoxarife e dois tabeliões.
Ferreira de Andrade diz-nos ainda que esta câmara reunia às portas do
castelo, tal como a câmara de Lisboa às portas da Sé: “Era então usual a
administração ter as suas reuniões ao ar livre e, tal como em cascais,
assistida por um porteiro e por um pregoeiro”.
Assim, após este breve intróito acerca da história da edificação
deste castelo, ou melhor, das hipóteses levantadas para a data da edificação do
mesmo, vamos passar à sua análise efectiva, tendo como pontos de honra a delimitação
geográfica-estratégica do mesmo, e posteriormente, a contabilização da sua
importância para a defensão do reino e principalmente da Cidade de Lisboa, numa
época tão conturbada como foi quase todo o reinado de Dom Fernando.
Resta, no entanto, referir que o Castelo Medieval de Cascais sofreu
ao longo dos anos o desgaste profundo provocado pela evolução dos tempos, tendo
sido alvo de actos que, de uma maneira geral, são considerados como autênticos
atentados à nossa memória histórica e à nossa cultura. De lembrar que ainda nos
anos quarenta do Século XX, o Visconde de Coruche, morador dentro do perímetro
amuralhado do antigo castelo, nos deixou fotografias de uma das torres desse
castelo, que não foi já a tempo de salvar.
Anteriormente, quer por falta de pedra para a construção das casas da
vila, que pelo terramoto de 1755, quer pela construção do Paço dos Castros, que
derrubou grande parte das suas muralhas, já o castelo tinha sido por várias
vezes atingido, não restando actualmente mais do que uma ínfima parte do que
foi, em tempos, o seu muro.
Por este motivo, e porque se torna efectivamente difícil tirar
grandes conclusões de tão parca informação, vamos deixar em aberto quaisquer
hipóteses de resolução do problema acima referido, permitindo que mais aturados
estudos dos documentos medievais Portugueses e acima de tudo Ibéricos, nos
permita compreender e inserir o Castelo Medieval de Cascais nos seus parâmetros
crono-estratigráficos.
Via: portugalidade.blogspot.pt
Fotografias de Rafael Baptista
(2015)