A capela de São Jorge, apesar das suas escassas dimensões e aparente
simplicidade, é um dos monumentos mais emblemáticos da célebre batalha que
abriu caminho, em Portugal, ao governo da dinastia de Avis e que teve lugar nos
campos de Aljubarrota. Quer a sua origem, quer o local exacto onde foi
construída, estão intimamente ligados a este episódio e à figura do Condestável
D. Nuno Álvares Pereira.
Com efeito, é a este homem tornado mito, cujo poder chegou a ombrear
com o do monarca (estatuto tão claramente demonstrado pela contraposição
simbólica do seu Convento do Carmo, em Lisboa, com o paço real e castelo da
capital), que se deve a construção da capela. Ela implantou-se no sítio onde,
no dia da batalha, a 14 de Agosto de 1385, D. Nuno havia depositado o seu
estandarte, conforme indica a lápide comemorativa da edificação do templo. O
local escolhido não foi um acaso, pois nas manobras de posicionamento dos
exércitos, a hoste comandada pelo Condestável havia encontrado esta
"pequena elevação com visibilidade técnica sobre o campo de batalha"
(PAÇO, 1965, p.8).
A data de arranque das obras é conhecida através daquela lápide. Por
ela ficamos a saber que a construção se iniciou em 1393, sete anos após a
batalha, sem que existam outras explicações para este distanciamento temporal.
Por outro lado, na sua origem, a capela não foi dedicada a São Jorge, mas sim à
Virgem (como D. João I havia feito em relação ao Mosteiro da Batalha,
sintomaticamente dedicado a Santa Maria da Vitória). Daqui se depreende que o
templo resulta de um voto do Condestável à protecção de Nossa Senhora, e mais
estranho se torna explicar o porquê de terem decorrido sete anos entre a batalha
e o arranque efectivo das obras.
A capela que hoje conhecemos não reflecte as dominantes estéticas da
sua primeira forma, com certeza edificada de acordo com o Tardo-Gótico que
então despontava no nosso país. Durante o século XV e, presumivelmente, nas
primeiras décadas do século XVI, o monumento foi intervencionado, daí
resultando uma obra relativamente ambígua nas suas opções estilísticas.
Estamos convencidos que, planimetricamente, o templo conserva o
essencial da sua primitiva traça, com nave única rectangular e capela-mor
quadrangular. Já o mesmo não podemos dizer a respeito dos vários elementos que
o constituem. O arco triunfal (que não apresenta qualquer base saliente) é de
volta perfeita e ostenta o brasão português. Na abóbada de cruzaria de ogivas
que cobre a capela-mor, o bocete é decorado com o Pelicano, símbolo de D. João
II. Exteriormente, a ábside contrafortada nos ângulos é encimada por uma linha
contínua de merlões chanfrados, solução cenograficamente militar - tão
"adequada à memória fundacional da ermida" (SILVA, 2003, p.2) - que é
mais frequente encontrar no ciclo manuelino que, propriamente, no tardo-gótico
inicial.
Na parede fundeira da capela-mor existem, ainda, os vestígios do
retábulo original, nomeadamente o baldaquino flamejante de um nicho, onde,
originalmente, estava colocada a imagem da Virgem com o Menino, ao que parece
uma peça contemporânea da construção promovida pelo Condestável (SEQUEIRA,
1955).
Ao longo dos séculos, outras reformas tiveram lugar. Em 1872, uma
gravura revela a fachada principal algo classicizante, com porta de verga recta
encimada por óculo (como a que ainda vemos), e uma sugestão volumétrica
tripartida, com adossamento de dois corpos às fachadas laterais da nave. Em
1928, Ernesto Korrodi construiu um alpendre rectangular adossado à fachada
principal, posteriormente suprimido pela DGEMN, numa altura em que estava já em
muito mau estado, "pois tornou-se logo asilo de indesejáveis que tudo
destruíram" (PAÇO, 1965, p.16). As grandes obras de restauro, que eliminaram
os múltiplos acrescentos verificados ao longo dos tempos, iniciaram-se em 1940.
Nos trabalhos então efectuados, descobriu-se a porta lateral Norte, em arco
quebrado, que se presume ser dos poucos elementos originais do conjunto.
Texto retirado de:
(Direção - Geral do Património Cultural)
Fotografias de Manuela Videira
(Junho de 2016)